Os donos de livrarias no Brasil costumam comparar seu trabalho à infeliz missão de um vendedor de gelo despachado para o Alasca -- uma piada infame, mas que resume bem o panorama desse mercado num país em que se lê pouco. Os brasileiros compram em média um livro por ano, enquanto franceses, americanos e ingleses gastam pelo menos cinco vezes mais. Para piorar as coisas, as vendas por aqui caíram 20% nos últimos cinco anos. Ou seja, tem-se uma conjunção de fatores que combinaria com um cenário de quebradeira generalizada no setor. A surpresa, porém, é que as maiores livrarias do país encontram-se em franco processo de expansão. Empresas como Saraiva, Fnac, Livraria Cultura, Siciliano e Nobel cresceram de 10% a 30% em 2006 e anunciaram recentemente ambiciosos planos de expansão para os próximos anos, iniciando um movimento de concentração sem precedentes no país. ""Esse é um dos melhores momentos da história da empresa"", diz Marcílio Pousada, superintendente da Saraiva, maior companhia do setor. ""Estamos conseguindo crescer cerca de 30%.""
Há duas explicações para o crescimento das grandes redes. A primeira, e mais importante delas, é a transformação dos livros em apenas mais um dos produtos oferecidos nas imensas lojas das principais livrarias do país. Essa foi uma trilha aberta pela francesa Fnac e que hoje vem sendo seguida pela concorrência. Atualmente, as vendas de televisores, computadores e outros produtos eletrônicos são responsáveis por 60% das receitas da rede francesa, que tem sete megastores no país e pretende abrir outras seis nos próximos três anos. Os livros, por sua vez, respondem por apenas 25% do fatu ramento -- o restante vem de CDs, DVDs, ingressos para espetáculos e lanchonetes. ""Nossa perspectiva é que os eletrônicos ganhem ainda mais peso nas vendas"", diz Pierre Courty, diretor-geral da Fnac no Brasil. Inspirada na concorrente, a Saraiva também aposta nessa alternativa. Até 2005, as vendas de eletrônicos e computadores não representavam 1% da receita da empresa. No ano passado, chegaram perto de 7%, e a expectativa dos executivos é que o número cresça muito mais.
Outro motivo para o sucesso dos grandes foi a resposta rápida que deram à ameaça representada pelo comércio eletrônico. A venda pela internet cresce num ritmo superior a 30% ao ano no país, o que colocou empresas como Americanas.com e Submarino (hoje juntas) entre as líderes na venda de livros. Segundo especialistas, essa mudança no cenário teve um efeito arrasador nas pequenas livrarias, especialmente as de cidades menores. De acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1999 as livrarias estavam presentes em quase 2 000 municípios brasileiros. Em 2005, apenas 1 721 cidades ainda tinham pelo menos uma livraria, queda de mais de 11%. Enquanto as pequenas perdem terreno para o comércio eletrônico, as grandes livrarias conceberam estratégias específicas para enfrentar a nova concorrência. Além de criar suas áreas de venda pela internet, elas inovaram na hora de atrair os consumidores às lojas. Quem mais se destacou nesse segmento foi a paulista Livraria Cultura. A empresa, que em 2006 faturou 150 milhões de reais, realiza 2 200 eventos por ano em suas seis lojas -- os principais são lançamentos, shows e palestras. ""Nosso consumidor quer mais do que apenas escolher um livro e ir embora"", diz Pedro Herz, dono da rede. Diferentemente dos concorrentes, Herz não pretende se aventurar no varejo de eletrônicos. Sua aposta é na especialização. ""Somos e queremos ser cada vez mais referência no comércio de livros, assim como a Barnes & Noble nos Estados Unidos"", afirma.
As transformações por que passa o mercado brasileiro de livrarias forçaram as companhias a criar novos modelos de negócios para crescer. Um deles é o de franquias, desenvolvido pela Nobel, rede com 155 lojas espalhadas pelo país (nenhuma é própria). Os pontos-de-venda da Nobel entram no vácuo causado pela quebradeira das pequenas, fragilizadas pela dificuldade de manter estoques e pelas difíceis negociações com as editoras. Com sua ampla rede, a Nobel consegue preços atrativos com as grandes editoras e propicia aos franqueados uma distribuição ágil. ""Temos estrutura para permitir que uma pequena livraria em uma cidade no interior do país desfrute de vantagens similares às das grandes redes"", diz Flávio Milano, diretor administrativo da Nobel. ""Inauguramos, em média, 20 lojas por ano."" Juntas, as 155 unidades franqueadas faturaram cerca de 120 milhões de reais no ano passado. Em um país em que poucos lêem, poucos lucram com os livros. Mas os que souberam inovar, seja vendendo outros produtos, seja mudando o modelo de negócio, vêm crescendo bastante.