Entre os mercados que mais cresceram recentemente junto com a economia, poucos parecem ter exibido tanto vigor quanto o de franquias de alimentação. Segundo um levantamento da Associação Brasileira de Franquias, no ano passado o número de redes de fast food chegou a 280 no país - o maior entre todas as redes de franquia.
Essas cadeias faturaram 9 bilhões de reais em 2008 - 170% mais que há nove anos. Em grande parte, essa explosão foi nutrida pelo maior poder aquisitivo das camadas populares. Do outro lado do balcão, este parece ser um bom momento para planejar a abertura de novos pontos. Nos últimos meses, aumentaram os interessados no setor. Boa parte é formada por gente do mercado financeiro que perdeu o emprego, mas tinha um bom pé-de-meia. Outros são investidores que tiraram o dinheiro de aplicações financeiras. "O volume de pessoas em busca de assessoria para abrir uma franquia dobrou desde o início do ano", diz a consultora Cláudia Bittencourt. Outra consequência é a melhoria de nível dos interessados.
O McDonald’s dos pescados
A Vivenda do Camarão levou o camarão dos restaurantes caros para os shoppings populares | Gladinston Silvestrini
Há quase 25 anos o economista Fernando Leite Perri, de 59 anos, não saboreia um bom churrasco. Ele substituiu a carne vermelha por peixes e frutos do mar pouco tempo antes de abrir a Vivenda do Camarão, em 1984. Perri começou com um solitário restaurante especializado em camarão, em São Paulo, numa época em que esse era um artigo de luxo para boa parte dos consumidores brasileiros. Hoje sua empresa se transformou numa rede de franquias de fast food cujo faturamento é estimado em 85 milhões de reais por ano e que deve chegar ao fim de 2009 com 105 lojas, 20 a mais do que no ano passado. "Estamos crescendo em média 30% ao ano", diz Perri.
Fernando Perri
No início, a Vivenda do Camarão era um restaurante tradicional, com unidades nos bairros paulistanos de Moema e Jardins, frequentadas pela classe média alta, por executivos e por empresários. Ao transformá-lo em fast food, Perri abriu o caminho para tornar o camarão um prato acessível aos consumidores de menor poder aquisitivo. Restaurantes comuns dificilmente superam a barreira que os separa de pequenas e médias empresas com grande potencial de crescimento - há pouco espaço para conseguir tirar da cozinha uma receita capaz de produzir os ganhos de escala que estão por trás de uma cadeia como o McDonald’s, ícone maior da comida rápida a baixo custo.
"Mas, com as franquias de fast food, foi possível ter custos muito menores do que num restaurante", diz Perri. O volume de vendas que cada nova loja ia somando permitia aos poucos negociar preços e condições melhores com os fornecedores. "Enquanto tornávamos o produto mais barato, a renda dos brasileiros mais pobres também subia", diz Perri. Boa parte do crescimento recente da Vivenda do Camarão veio de lojas instaladas em shoppings que atraem consumidores em massa, como Metrô Tatuapé e Metrô Itaquera, ambos na zona leste de São Paulo. Essa lógica continua valendo para os próximos anos? Perri acha que sim. "Hoje obtemos os melhores resultados justamente nos shoppings mais populares", afirma. "Conseguimos transformar o que há alguns anos era comida de elite em pratos que concorrem com qualquer fast food."
Perri abriu seu primeiro restaurante depois de encerrar dois negócios quase ao mesmo tempo - uma importadora de copiadoras eletrônicas, que era sua principal atividade, e uma exportadora de camarão para os Estados Unidos. No negócio de camarão, Perri descobriu aspectos que considerou deprimentes. O melhor do produto ia direto para o mercado externo, passando longe das mesas dos brasileiros. E, do camarão que ficava, boa parte passava dias em porões de barcos pesqueiros, conservada em sistemas precários de refrigeração.
Depois, uma série de atravessadores entre o pescador e os restaurantes elevava o preço às alturas. Perri viu nessas falhas uma oportunidade. "Decidi abrir um restaurante que comprasse diretamente da origem, de forma a obter maior qualidade e preços menores", diz.
Logo na noite de inauguração do primeiro restaurante, no bairro de Moema, Perri teve uma boa ideia do tamanho da demanda reprimida. Um mês antes da abertura, marcada para o Dia dos Namorados, ele pôs na fachada uma faixa na qual escreveu: "No dia 12 de junho, camarão a preço justo". Naquela noite, ao ir para o restaurante, Perri pegou um congestionamento que piorava conforme ele se aproximava do local. "Quando cheguei, levei um tremendo susto", diz. "Havia mais de 300 pessoas na fila e não estávamos preparados para atender tanta gente." Para piorar, um curto-circuito na fiação deixou a casa às escuras. "A inauguração foi um desastre", diz Perri. "Mas pelo menos deu para perceber que o mercado era bem promissor."
Quando a Vivenda nasceu, Perri adquiria o camarão de pescadores gaúchos, que o apanhavam com barcos na Lagoa dos Patos, no litoral do Rio Grande do Sul. Com o tempo, passou a buscar a matéria-prima nas fazendas de crustáceos que se instalaram no Nordeste nos anos 90. "Hoje somos o maior comprador de camarão do Brasil", diz Perri. "Por isso conseguimos negociar valores que podem chegar à metade do que os restaurantes pagam."
Perri afirma que os preços da rede são pelo menos 35% menores que os de outros estabelecimentos que servem pratos similares - o que dificulta a entrada de competidores com poder de fogo suficiente para batê-lo em sua especialidade. "A dianteira que a Vivenda do Camarão conseguiu lhe garante uma posição invejável", diz Marcus Rizzo, consultor especializado em franquias.
Hoje em dia, a gestão foi delegada aos dois filhos de Perri - Rodrigo, de 31 anos, e Diego, de 30, incumbidos também de administrar dois terços da rede, formados por lojas próprias. A inclusão dos filhos permitiu a Perri reduzir o expediente nos escritórios da empresa, em Cotia, na Grande São Paulo, a três dias por semana, quando se dedica a pensar estrategicamente os rumos da rede. Agora, por exemplo, ele vislumbra uma nova oportunidade na criação de uma espécie de serviço de buffet de pescados para festas e eventos. Prestes a completar 60 anos, magro e com poucas rugas para sua idade, Perri atribui a boa forma aos longos anos longe da carne vermelha. "O que vem do mar é o que me faz bem", diz ele - na saúde e nos negócios.
Receita caipira
A Roasted Potato cresceu no interior dos estados, onde a concorrência ainda é menor do que nas grandes capitais | Carla Aranha
Quando Modesto Carone Junior, de 53 anos, e sua mulher, Maria Lucia Carone, de 51, criaram a Roasted Potato, em 1986, o plano era oferecer batatas recheadas aos consumidores de cidades no interior e em capitais de médio porte, como Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. "Havia poucos negócios servindo batatas iguais às nossas, e eles estavam nos grandes centros", diz Carone. "No interior, praticamente não havia concorrência." No ano passado, o negócio, que começou na cozinha da casa de Maria Lucia em Presidente Prudente, no interior paulista, faturou 43 milhões de reais, 16% mais que em 2007.
Modesto Carone Junior e Maria Lucia Carone
A história da Roasted Potato é um exemplo de como muitas pequenas e médias empresas podem aproveitar mercados pouco explorados para crescer e construir as bases de um negócio competitivo. Hoje, mais da metade das 55 lojas da Roasted Potato - todas funcionando no sistema de franquias - fica fora das capitais. Em São Paulo, a primeira unidade só foi inaugurada quando a rede tinha mais de 15 anos. Era 2002 e pouca gente da cidade conhecia o nome Roasted Potato - uma situação que não mudou tanto assim desde então.
Longe de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, no entanto, a Roasted Potato tornou-se um nome forte - sobretudo nos últimos anos, quando a expansão dos shopping centers pelas cidades mais prósperas do interior criou um terreno fértil para pequenas e médias empresas que, como a Roasted Potato, se dedicaram a cultivar uma parte pouco explorada do mercado brasileiro.
Para fazer a rede progredir, o casal Carone precisou lidar com dificuldades comuns a negócios iniciantes em mercados pouco maduros. Um dos primeiros desafios foi encontrar fornecedores de batatas grandes como as que Carone e a mulher haviam provado em viagens aos Estados Unidos e em concorrentes, como a paulistana Baked Potato. "Precisei percorrer os sítios da região de Presidente Prudente inteira até encontrar um agricultor disposto a cultivar uma variedade de batata que praticamente não interessava ao mercado naquela época", diz Carone.
Em pouco tempo, as oportunidades provaram ser maiores que as dificuldades. Apenas dois anos depois de abrir a primeira loja, o negócio já era promissor a ponto de fazer Carone vender a principal fonte de renda da família - uma torrefadora de café - para se dedicar completamente às batatas. "As cidades pequenas e médias concentram hoje grande parte do potencial de crescimento do consumo", diz Luiz Góes, sócio da consultoria Gouvêa de Souza & MD, especializada em varejo. "Quem soube tirar proveito disso conseguiu se fortalecer."
O foco no interior, onde custos como aluguel de pontos-de-venda e mão-de-obra costumam ser menores, permitiu manter preços relativamente baixos, adequados ao poder aquisitivo dos consumidores. "Desde o começo, percebemos que precisávamos ter custos baixos", diz Carone. "As margens teriam de ser pequenas e o lucro dependeria do volume."
Para o consumidor, uma batata na Roasted Potato custa em média 12 reais - 25% menos que o cobrado na concorrência em São Paulo. Assim, à medida que a Roasted Potato se expandia, a lógica original, de fugir da concorrência, levou a um modelo de negócios que Carone e Maria Lucia acreditam ser ideal também para conquistar os consumidores da classe C dos centros maiores, onde o casal agora enxerga as novas oportunidades de crescimento.
A rede, que só estava presente em shoppings, neste ano deve contar com lojas de rua em São Paulo e Belo Horizonte. A previsão para 2009 é abrir 16 lojas nas capitais - por onde passam as grandes multidões formadas pelas classes populares. O plano é fechar o ano com um crescimento quase 40% superior ao resultado de 2008. "Com ou sem crise, quem trabalha precisa comer fora", diz Maria Lucia. "Duvido que cortem um alimento tão básico quanto a batata."
O mate das multidões
A Megamatte cresceu vendendo lanches baratos para os consumidores da parte de baixo da pirâmide | Carla Aranha
Antes de aprovar um novo ponto para a rede de franquias de fast food Megamatte, de bebidas à base de chá servidas com lanches, o português Júlio Dias, de 52 anos, repete sempre um ritual. Ele vai até a calçada em frente da futura loja e vira a cabeça para o alto. O negócio só vai adiante caso veja vários edifícios nos arredores. "A melhor coisa é quando nem dá para ver o céu", afirma Dias. "É sinal de que vai haver muita gente circulando nas proximidades, o que garante movimento." Nos últimos tempos, o empresário tem olhado bastante para cima. No ano passado, foram abertas 19 lojas - uma em São Paulo e 18 no Rio de Janeiro, onde a Megamatte foi fundada, em 1994, por Dias e a mulher, a carioca Fátima Rocha, de 46 anos.
Júlio Dias e Fátima Rocha
A partir de agora, Dias pretende esquadrinhar cada vez mais os céus paulistanos, para abrir pelo menos um terço das 30 novas lojas previstas para este ano. Com lanches que custam a partir de 3 reais, os sócios esperam chegar ao maior mercado brasileiro de fast food com pratos competitivos para conquistar os consumidores de menor poder aquisitivo. "A classe C é para nós um público muito importante, que cresce a cada dia e busca opções mais saudáveis e rápidas, como os lanches que servimos", diz Fátima. "Por isso, mesmo com a perspectiva de crescimento econômico menor no país, não pretendemos mudar em nada nossos planos de expansão."
Ela e o marido esperam que as novas unidades ajudem a atingir a meta de crescer 75% em 2009, fechando o ano com uma receita de 38,2 milhões de reais. Bons resultados na capital paulista são importantes para que a Megamatte possa dar andamento à sua expansão pelo país - até 2011 Dias e Fátima preveem abrir filiais também no interior de São Paulo e em capitais como Curitiba e Salvador.
As lojas paulistanas foram adaptadas às preferências do consumidor local, com a inclusão de bebidas quentes, como mate com chocolate ou Ovomaltine. "Além disso, depois que uma pesquisa interna mostrou que em São Paulo os clientes preferem a palavra chá em lugar de mate, mudamos o nome das bebidas nos nossos cardápios", diz Fátima.
O casal espera fazer funcionar em São Paulo as estratégias que sustentaram o crescimento no mercado carioca durante os últimos anos. Desde 2000, a Megamatte vem tentando se estabelecer como uma cadeia de fast food que associa mate a comida saudável. Esse posicionamento fez com que as frituras fossem substituídas por salgados assados. Agora, em vez de coxinhas e bolinhos de mandioca, o cliente encontra pastéis de forno, sanduíches naturais e croissants integrais. "Acreditamos que a onda saudável é muito forte em São Paulo", afirma Fátima.
Fátima, responsável pela qualidade da comida, acredita que os lanches saudáveis possam ser um dos trunfos para, apesar de a Megamatte ser voltada para o público popular, agradar também aos consumidores de maior poder aquisitivo. É assim no Rio de Janeiro. Há lojas tanto em bairros nobres, como Leblon e Ipanema, como em regiões de comércio popular da Baixada Fluminense. Na capital paulista, os planos incluem pontos-de-venda em locais como Itaim Bibi, habitado pela classe média, e em ruas populares, como a Teodoro Sampaio, em Pinheiros, que reúne consumidores de todas as faixas de renda. Dependendo da localização, os preços do cardápio variam até 20%.
São Paulo é um grande teste para Dias e Fátima. Na capital paulista, a rede vai enfrentar a concorrência da Rei do Mate, criada no final dos anos 70 e hoje com 265 lojas, distribuídas em 16 estados. "É uma concorrência saudável", diz Antonio Carlos Nasraui, diretor da Rei do Mate. "Ainda há muito espaço para crescer com chás no fast food."