Sorvete de maracujá com capim santo, de marrom glacê com chantilly (sim, sorvete de chantilly), de laranja da terra com mascarpone e de rosas com framboesa e pistache. Estes são alguns novos sabores da celebrada sorveteria carioca Mil Frutas, que comemora 20 anos no estado do Rio de Janeiro e alguns meses em São Paulo, com uma excelente repercussão entre os críticos gastronômicos (incluindo os do The New York Times). Os créditos vão para Renata Saboya, proprietária da rede, que, sem saber fritar um ovo (imagine fazer um sorvete!) decidiu investir o pouco dinheiro que tinha na época em uma máquina de sorvetes. Isso foi no final dos anos 80.
De lá para cá - após uma semana de arrependimento -, a ex- jornalista, ex-estagiária do Estadão e ex- repórter do Jornal do Brasil -, criou mais de 250 receitas de sorvetes, mas não sem antes penar um bocado. Com a nova máquina na cozinha de casa e na companhia da saudosa sócia Juarezita Santos (que faleceu em 1999), Renata viu-se diante de um elefante branco. Como comprar todos os ingredientes que o fabricante vendia - num pacote "espertinho", que a faria refém dos produtos - sem ter uma renda extra? Mais: onde vender os sorvetes, caso fossem feitos? Na praia?
Depois de algumas noites de agonia, com direito a choro, veio uma luz: por que não comprar livros franceses e italianos de receitas, para dar o pontapé inicial? Por que não investir em produtos sem conservantes e corantes, para fugir dos fornecedores e oferecer algo saudável? E, finalmente, por que não vender os sorvetes para restaurantes? Deu certo. Até porque Juarezita era sócia do restaurante carioca Quadrifoglio e, ao contrário de Renata, dava-se bem na cozinha. Um prêmio de melhor sorvete do Rio de Janeiro também colaborou para o crescimento da rede.
SUBIDA
O primeiro sabor era de manga. Os demais foram inspirados no gosto pessoal das sócias. Renata, filha de mãe diabética, teve sempre frutas exóticas à mesa de casa. Das férias em Piracicaba, de onde vem a família do pai, resgatou a alegria de comer jabuticaba no pé, e transferiu essa memória para o novo negócio. O mesmo ocorreu com o sorvete de goiabada com queijo, e tantos outros que são hits na franquia paulistana da Mil Frutas, no Shopping Cidade Jardim - até o segundo semestre de 2009, São Paulo será agraciado com mais um endereço da sorveteria.
A loja número 1 da rede, no Jardim Botânico, bairro do Rio de janeiro, foi inaugurada em 1990. Hoje a Mil Frutas soma nove lojas, sendo três franquias. "Acho que o negócio decolou porque coloquei muita felicidade no trabalho. Aprendi a elaborar receitas e a administrar de maneira empírica, e descobri um grande prazer nisso", explica Renata. Solavancos? Existiram, obviamente. Além dos já citados, duas lojas azedaram e fecharam as portas: uma em Itaipava (interior fluminense), no ano passado, e outra na Barra da Tijuca, nos anos 90. "Talvez porque minha proposta fosse muito nacional , numa época em que o bairro da Barra valorizava a americanização", filosofa Renata, que passou a infância entre o Rio e o nordeste, devido ao ofício do pai, que trabalhava para a Marinha. "Mas hoje há uma franquia na Barra, que vai superbem", completa.
Um dos primeiros sabores - cupuaçu - também não foi aceito de cara. "Um cliente ficou furioso ao provar, disse que tinha gosto de éter, e devolveu. Ele não conhecia o fruto, que ainda era exótico'', relembra ela, que mantém no cardápio um sorvete de tâmara com damasco sem muito sucesso de público. "Nem sempre o que é um espetáculo cai no senso comum", afirma Renata, que se diz - e é - muito ousada.
SORVETE DO DIA
Fazer e refazer fórmulas é rotina para Renata, seus dez funcionários e suas duas filhas, Paula e Juliana, sócias da empresa desde 2000 e 2008, respectivamente. Os testes são rigorosos. "Lichia levou um tempão para dar certo. Com a cereja, tivemos menos sorte ainda. É difícil fazer um sorvete natural de cereja, porque é complicado achar bons frutos, então, paramos a produção", diz Renata, que trabalha com diversos fornecedores de frutas pelo Brasil e se responsabiliza pelo transporte dos produtos em caminhões climatizados. "Sou chata com isso. A fruta tem que ser excelente, senão não dá. Isso encarece o produto, mas dá qualidade", resume.
"Uma vez, um funcionário me perguntou se eu não tinha medo de alguém roubar minhas receitas, de ser copiada. Outro, que estava ouvindo, logo retrucou: quem vai ser louco de gastar tanto dinheiro para fazer um sorvete!", diverte-se ela. "Meu sorvete é caro e muito bom", deixa claro. Uma bola custa R$ 7,00.
A ausência de conservantes ajuda a salgar o preço das iguarias, e a obriga a criar cardápios sazonais, por causa das "épocas de cada fruta". O prazo de validade é de 90 dias. A equipe - que produz cerca de 18 mil litros mensais de sorvete - faz de tudo para evitar desperdício, mas nem sempre é possível. "Como vou usar conservante, gordura hidrogenada ou trans, e corantes se prezo alimentação saudável? Não dá", explica Renata, que usa ainda pouco açúcar em suas fórmulas.
É dona de um estilo de vida invejável. Diariamente, Renata pedala durante três horas pelo Rio de Janeiro. Faz um percurso diferente a cada dia. Na data desta entrevista, tinha ido à Vista Chinesa. O ritual - que tomou forma depois que se viu viúva de um namorado - dispensa o iPod e rende ideias para novas receitas, além de soluções para a vida profissional e pessoal. "Escolho meu trajeto pela paisagem e inclinação, pois gosto de subidas'', confessa. Nos fins de semana, segue para a região do Vale do Paraíba, em São Paulo, onde pedala com um grupo de amigos.
O exercício não tem nada a ver com a manutenção da forma física, mas sim com diversão. Neuras com o corpo não colam em Renata, que a-do-ra um sorvetinho. "Todas as vezes em que engordei, havia um sorvete atrás de mim", conta ela, entre risadas. O preferido do momento é o de rosas com framboesa e pistache. Porém, os favoritos mudam constantemente.
Pois é, aos 57 anos, Renata, avó de João Antonio, de 6 meses, é fã de sorvetes e bicicletas, assim como na sua infância. Tais predileções renderam-lhe bons resultados profissionais. E caso não tivesse comprado a tal da máquina nos anos 80, conta ela própria, hoje estaria pedalando uma bike bem simples e tomando sorvetes sem muita graça. A vida teria sabor menos elaborado, porém, ainda assim, feliz.